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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Quem dá mais?


Em alguns momentos de nossa humanidade, homens e mulheres tomaram como tarefa responder a uma questão um tanto futurológica: o caminho da arte seria a redenção ou a fetichização? Embolados nessa pergunta, que se repetiu durante diferentes pontos de nossa retinha linha do “progresso” “moderno”, estavam diferentes sentimentos e perspectivas diante do mundo e de sua arte. Sentimentos que oscilavam entre a fé na citada linha; nostalgia de um momento anterior à linha, mais puro e criativo; pessimismo na desenfreada fragmentação de nossa existência. Não há, entretanto, posições seguras nessas percepções, nem polarizações claras e definitivas, mas sim muita ambigüidade e indeterminação. De um lado, esta tal fragmentação mencionada significava para alguns desses homens e mulheres um produto inexorável de nosso caminho rumo à humanidade, que nos conduzia, entretanto, à uma separação – eficaz para nosso progresso, mortal para nossa polissemia - dos mundos da arte, da ciência, da indústria, da cultura, da crença, da moral... De outro lado, essa própria separação representava, para esses mesmos ou para outros homens e mulheres, a autonomização desses campos de conhecimento e prática da vida. Se isolarmos por um momento os outros “mundos” e nos determos ao tema da arte, ficamos então com a questão inicial. Nesse desvario, a arte se estabeleceria, depois de tal fragmentação, depois do que todo mundo ficou conhecendo como indústria cultural, como fetichização, no sentido de se tornar um campo isolado dos outros, gerando suas próprias leis de produção, ou melhor, de mera reprodução, fadada a tornar-se mercadoria como tudo o que entra naquela tempestade chamada progresso? Ou se estabeleceria, na medida em que é, daquela maneira, tornada autônoma, um mundo de tal maneira independente das correntes dos outros campos, que resguardaria em seu domínio as possibilidades redentoras de que a humanidade necessita e na qual poderia beber, tais como a liberdade e a criatividade?

Sem ser a pessoa mais pessimista do mundo, tampouco sendo dotada de qualquer dom de adivinhação, ou qualquer brilhantismo ou autoridade para dar o diagnóstico... Enfim, com toda a licença da BOCAGEM: tendo a achar que estamos mais no caminho da fetichização do que no da redenção. Dizem por aí que isso é culpa da privada do Duchamp, ou da Semana da Arte Moderna. Mas não é o caso. O fato é que, mesmo a atual onda de buscar uma arte vinculada às experiências cotidianas e rotineiras de seus criadores, o que se tem visto é, senão mera reprodução, simples descontextualização com pretexto de “resgate” e salvação de uma cultura “perdida”, por praticantes pouco ligados a esse tal cotidiano original de criação. Não só a forma e o conteúdo da arte é repetido, ainda que “remasterizado”, mas também a própria – a incansável, clichê, sem imaginação, pouco intuitiva – busca dos artistas pelos centros de produção e divulgação. Ou seja, preferem reclamar da baixa capacidade de captação, recepção e compreensão de sua arte pelos seus conterrâneos e buscarem um lugar ao sol nas grandes metrópoles – onde encontram mais uns milhares fazendo a mesma coisa e que só chegam a avistar uma pontinha do raio do sol quando já deixaram de ser o que eram, pra virar alguma coisa tocável na MTV.

Acredito, porém, que tem gente no caminho da arte redentora. Mas isso fica pra próxima bocagem.

2 comentários:

  1. mas tem uma coisa, difícil de mensurar, que eu fiquei pensando: e a relação das pessoas (os não produtores) com a obra de arte? Porque como cada um pode ter um tipo de relação diferente com a obra, objeto, música, quadro etc... pode ser que o mesmo produto, para um certo alguém apenas reproduza uma separação das coisas e das pessoas, mas para outra pode ser um momento de iluminação, senão pra mundo, para si mesmo, sobre a própria vida (que, aliás, já é um mundo, né?)
    não sei se eu estou sendo otimista ou qualquer coisa assim, mas tendo a acreditar que a beleza das coisas pode nos modificar, dando mais sentido praquilo que pensamos e sentimos. Claro que essa 'beleza' de que eu falo é subjetiva sob esse aspecto, mas também não está isolada de todas as pressões típicas desse universo de produção artística...

    enfim... é papo que não acaba mais, né?
    beijo!

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  2. Ed,Ed... quando você diz alguma coisa sobre o que eu disse, você inverte tudo o que eu disse e ainda me faz pensar: que droga, ele está certo em tudo que disse! rs! Bom, tirando o lero-lero da minha bocagem ... Sim, a dimensão do "espectador" da obra é também um importante "termomêtro" da arte que comunica, transcende, universaliza, a despeito das vontades, seja do artista ou da indústria. Não há, é certo, uma beleza "objetiva" intrínseca que deve ser buscada - e encontrada - por todos numa obra, esta beleza ultrapassa o momento de sua feitura e só completa seu sentido, iniciado com a produção, no momento da recepção. Mas acredito também que o próprio fato de uma arte industrial, por vezes, falar mais às pessoas do que uma arte "não-industrial" é sintomático. Sintomático dessa tempestade chamada progresso, parafraseando Benjamin com seu anjo do Klee.
    Enfim, é papo que não acaba mais mesmo... Pra começar, podemos nos perguntar entretanto se é função da arte ser uma iluminação pro mundo para o espectador ou tão somente para o artista. Mas o papo é bom. E estou devendo a continuação desse texto, que é sobre esse aspecto que você levanta. "Arte redentora", do mundo, do si mesmo e da própria arte. Abraço e muuuito obrigada pelo comentário.

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