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terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Dicas do titio Herodes [2]: para fechar o ano


Eu estava a "rosetar" pelo shopping, como diria a minha avó. Sabidamente um lugar bastante propício para capturar as mais preciosas formas de má educação. Ainda assim, me surpreendi ao ver um garotinho de uns 6 anos passar por mim, caladinho e constrangido, ouvindo do "sábio" pai que lhe dizia com veemência: "não quero ver um brilho nos seus olhos, heim!!!". Alguma estrela no céu deve ter se apagado nesse momento, apesar das luzes de gerador da imensa árvore de natal jamais ter titubeado.

sábado, 11 de dezembro de 2010

O Rei nu na Nova Juiz de Fora

Moro em Juiz de Fora. Quem mora aqui, ou por aqui transita com regularidade, sabe que a cidade está em obras. Nesse caso, vê-se por toda parte avisos como “desculpem-nos o transtorno, estamos em obra para melhor atendê-los”. O que, em outras palavras, quer dizer que estão desorganizando o cotidiano para, quando ele voltar à “normalidade”, a gente pense que ficou tudo lindo. A obra em questão consiste em asfaltar ruas asfaltadas. E ela não custou barato, acreditem.
Dois fatos – quase imperceptíveis – chamam a atenção para o que está acontecendo. O primeiro deles é que, apesar de termos aqui na cidade uma empresa pública que faz serviços de pavimentação, estamos pagando uma empresa privada de Uberaba para fazer o tal serviço. O segundo fato... Bem, o segundo fato merece um parágrafo à parte.
Quem passa na rua Olegário Maciel pode ver – ou não – algumas faixas alertando os pedestres e motoristas sobre os transtornos da obra. O aviso – não sei se por descaramento ou distração – diz que, naquele ponto (o MAIS ALTO DOS ARREDORES DO CENTRO da cidade), a obra vai solucionar o problema dos PONTOS DE ALAGAMENTO.
Pontos de alagamento? É isso mesmo?
Sim. Pontos de alagamento. Num alto de morro no qual água nenhuma resiste à tentação de rolar ladeira abaixo.
Isso me lembrou a fábula do rei nu. Algum alfaiate espertinho quis – e conseguiu – se aproveitar da vaidade do rei para vender-lhe uma roupa feita de tecido invisível. A justificativa do alfaiate: só vê quem é inteligente!

domingo, 28 de novembro de 2010

Repúdio ao revide violento das forças de segurança pública no Rio de Janeiro, e às violações aos direitos humanos que vêm sendo cometidas

PASSAMOS ADIANTE O MANIFESTO DE REPÚDIO PUBLICADO ONTEM PELO MOVIMENTO 'REDE CONTRA A VIOLÊNCIA'. (http://www.redecontraviolencia.org)

Desde o dia 23 de novembro a rotina de algumas regiões do Rio de Janeiro foi alterada. Após algumas semanas em que ocorreram supostos "arrastões" (na verdade, roubos de carros descontinuados no tempo e no espaço), veículos seriam incediados. Imediatamente, as autoridades públicas vieram aos meios de comunicação anunciar de que se tratava de um ataque orquestrado e planejado do tráfico de drogas local à política de segurança pública, expressa principalmente nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Tal interpretação nos parece questionável, em primeiro lugar porque não foi utilizado o poderio em armas de fogo das facções do tráfico, e sim um expediente (incêndio de veículos) que, embora tenha grande visibilidade, não exige nenhuma logística militar. Em segundo porque, se o objetivo fosse um dano político calculado ao governo estadual, as ações teriam sido realizados cerca de dois meses atrás, antes das eleições, e não agora. As ações, que precisam ser melhor investigadas e corretamente dimensionadas, parecem mais típicas atitudes desorganizadas e visando impacto imediato, que o tráfico varejista por vezes executa.


Seja como for, desde então, criou-se e se generalizou um sentimento de medo e insegurança. Esta imagem foi provocada pela circulação da narrativa do medo, do terror e do caos produzida por alguns meios de comunicação. Isto gerou o ambiente de legitimação de uma resposta muito comum do poder público em situações como esta: repressão, violência e mortes. Principalmente nas favelas da cidade. Além disso, mobilizou-se rapidamente a idéia de que a situação é de uma "guerra". Esta foi a senha para que o campo da arbitraridade se alargasse e a força fosse utilizada como primeiro e único recurso.

Repudiamos a compreensão de que a situação na cidade seja de uma "guerra". Pensar nestes termos, implica não apenas uma visão limitada e reducionista de um problema muito complexo, que apenas serve para satisfazer algumas demandas políticas-eleitoreiras, mas provoca um aumento de violência estatal descomunal contra os moradores de favelas da cidade. Não concordamos com a idéia da existência de guerra, muitos menos com seus desdobramentos ("terrorismo", "guerrilha", "crime organizado") justamente pelo fato de que as ações do tráficos de drogas, embora se impondo pelo medo e através da força, são desorganizadas, não orgânicas e obviamente sem interesses políticos de médio e longo prazo. Parece que, ao mencionarem que se trata de uma "guerra" ao "crime organizado", as autoridades públicas querem legitimar uma política de segurança que, no limite, caracteriza-se apenas por uma ação reativa, extremamente repressiva (que trazem conseqüências perversas ao conjunto dos moradores de favelas) e que, no fundo, visa exclusivamente e por via da força impor uma forma de controle social. As ações feitas pelos criminosos e a resposta do poder público que ocorreram nesta semana, somente reproduz um quadro que se repete há mais de 30 anos. Contudo, as "políticas de segurança pública" se produzem, sempre, a partir destes eventos espetaculares, portanto com um horizonte nada democrático. É importante não esquecer que, muito recentemente, as favelas que agora viraram símbolo do enfrentamento da "política de segurança pública" já tenham sido invadidas e cercadas em outros momentos. Em 2008, a Vila Cruzeiro foi ocupada pela polícia. Em 2007, o Complexo do Alemão também foi cercado e invadido. O resultado, todos sabem: naquele momento, morreram 19 pessoas, todas executadas pelas forças de segurança.


As conseqüências práticas da idéia falsa da existência de guerra é o que estamos vendo agora: toda a ação de reação das forças de segurança, que atuam com um certa autorização tácita de parte da população (desejosa de uma vingança, mas que não quer fazer o "trabalho sujo"), têm atuado ao "arrepio da lei", inclusive acionando as Forças Armadas (que constitucionalmente não podem ser utilizadas em situações como estas, que envolvem muitos civis, e em áreas urbanas densamente povoadas). Não aceitamos os chamados "danos colaterais" destas investidas recorrentes que o poder público realiza contra os bandos de traficantes. Discordamos e repudiamos a concepção de que "para fazer uma omelete, é preciso quebrar alguns ovos", como já disseram as mesmas autoridades em questão em outras ocasiões.


Desde o começo do revide violento e arbitrário das polícias e das forças armadas, há apenas uma semana, o que se produziu foi uma imensa coleção de violações de direitos humanos em favelas da cidade: foram mortas, até o momento, 45 pessoas. Quase todas elas foram classificadas como "mortes em confronto" ou "vítimas de balas perdidas". Temos todas as razões para duvidar da veracidade desse fato. Em primeiro lugar, devido ao histórico imenso de execuções sumárias da polícia do Rio de Janeiro, cuja utilização indiscriminada dos "autos de resistência" para encobrir tais crimes de Estado tem sido objeto de repetidas condenações, inclusive internacionais. Em segundo lugar, pelo que mostram as próprias informações disponíveis, o perfil das vítimas das chamadas "balas perdidas" não é de homens ou jovens que poderiam estar participando de ações do tráfico, e sim idosos, estudantes uniformizados, mulheres, etc. Na operação da quarta-feira (24/11) na Vila Cruzeiro, por exemplo, esse foi o perfil das vítimas, segundo o detalhado registro do jornalista do Estado de São Paulo: mortes - uma adolescente de 14 anos, atingida com uniforme escolar quando voltava para casa; um senhor de 60 anos, uma mulher de 43 anos e um homem de 29 anos que chegou morto ao hospital com claros sinais de execução. Feridos - 11 pessoas, entre elas outra estudante uniformizada, dois idosos de 68 e 81 anos, três mulheres entre 22 e 28 anos, dois homens de 40 anos, um cabo da PM e apenas dois homens entre 26 e 32 anos.


Além disso, a "política de guerra" produziu, segundo muitas denúncias feitas, diversos refugiados. Tivemos informações de que moradores de diversas comunidades do Complexo da Penha e de outras localidades não puderam retornar às suas casas e muitas outras ficaram reféns em suas próprias moradias. Crianças e professores ficaram sitiados em escolas e creches na Vila Cruzeiro, apesar do sindicato dos professores ter solicitado a suspensão temporária da operação policial para a evacuação das unidades escolares. As operações e "megaoperações" em curso durante a semana serviram de pretexto para invasões de domicílios seguida de roubos efetuadas por policiais contra famílias. Nos chegaram, neste sábado 27/11, depoimentos de moradores da Vila Cruzeiro que informavam que, após a fuga dos traficantes, muitos policiais estão aproveitando para realizar invasões indiscriminadas de domicílios e saquear objetos de valor.


Não bastasse tudo isso, um repertório de outras violações vêm ocorrendo: nestas localidades conflagradas, os moradores se encontram sem luz, água, não podem circular tranquilamente, o transporte público simplesmente deixou de funcionar, as pessoas não podem ir para o trabalho, escolas foram fechadas e quase 50 mil alunos deixaram de ter aulas neste período, e até toque de recolher foi imposto em algumas localidades de UPP, segundo denúncias. As ações geraram um estado de tensão e pânico nos moradores destas localidades jamais vistos. As favelas do Rio, que são verdadeiros "territórios de exceção" onde as leis e as garantias constitucionais são permanentemente desrespeitadas, em primeiro lugar pelo próprio Poder Público, vivem hoje um Estado de Exceção ainda mais agravado, que pode ser prenúncio do que pretende se estabelecer em toda a cidade durante a Copa do Mundo e as Olimpíadas.


Repudiamos, por fim, a idéia de que há um apoio irrestrito do conjunto da população às ações das forças de segurança. De que "nós" é esse que as autoridades e parte dos meios de comunicação estão falando? Considerando o fato de que a cidade do Rio de Janeiro não é homogênea e que existem diversas versões (obviamente, muitas delas não são considerados por uma questão política) sobre o que está acontecendo, como é possível dizer que TODA a população apóia a repressão violenta em curso? Certamente, esse "nós", esse "todos" não incluem os moradores de favelas da cidade. E isso pode ser verificado a partir das inúmeras denúncias que recebemos de arbitrariedades cometidas por policiais.


Diante de tudo isso, e para evitar que mais um banho de sangue seja feito, e para que as violações e arbitrariedades cessem imediatamente:


* Exigimos que seja feita uma divulgação dos nomes e laudos cadavéricos de todas as vítimas fatais, bem como dos nomes das vítimas não-fatais e suas respectivas condições neste momento;
* Exigimos também que seja dada toda publicidade às ações das forças de segurança, permitindo que estas sejam acompanhadas pela imprensa e órgãos internacionais;
* Exigimos que sejam dadas amplas garantias para efetivação, acompanhamento e investigação das denúncias de arbitrariedades e violações cometidas por agentes do Estado nas operações em curso;
* Exigimos que estas ações sejam acompanhadas de perto por órgãos públicos como o Ministério Público, Defensoria Pública, Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa e do Congresso Federal, Secretaria Especial de Direitos Humanos - SEDH, Subsecretaria de Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro, além de outras instituições independentes como a OAB (Federal e do Rio), que possam fiscalizar a atuação das polícias e das Forças Armadas.

Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência.

Rio de Janeiro, 27 de Novembro de 2010.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Quem dá mais? O leilão continua...


Engraçado como mesmo em um lugar sem lugar, repleto de virtualidades e efemeridades, leitores que são denominados “usuários” e que em cima do pescoço carregam não um rosto, mas um avatar... Enfim, engraçado como até promessas feitas num B-L-O-G podem valer alguma coisa. Bem, estou aqui para pagar a bocagem prometida: sobre a arte redentora. O redemoinho que eu mesma causei quase me devora, mas vamos lá...
De quem e de quê a arte redime? Ao artista – me veio a primeira resposta – redimido ao encontrar na arte a maneira mais livre e plena de exercer sua criatividade. Mas, do outro lado do quadro, eis que encontramos um sujeito, espectador, redimido pela “iluminação do mundo e de si” que pode ser a arte daquele artista, este querendo ou não. (Agradeço ao Ed os comentários no primeiro texto).
Assim, podemos pensar que a qualidade de redenção não está apenas no “fazimento” da música, do poema, do filme, mas na impressão, apreensão, imersão que sons, letras, cores, luzes provocam no sujeito que ouve, lê, sente, cheira. Pouco importaria, assim, se a peça usufruída fosse reprodução, repetição, indústria cultural, o diabo!, se ela tocasse o sujeito. Este que busca ali não O belo, mas um belo. Subjetivo, sim. E ligado a trajetória dele.
Entretanto, repetição-reprodução tem um acionamento limitado, digamos subjetivista, parcial, que não mobilizaria desse sujeito a totalidade de suas possibilidades de sentir o belo – ou o grotesco, o que seja. Não estou fazendo aqui a defesa de uma arte que independe do seu público, mera ostentação, espírito bem aristocrata por sinal, arte pela arte. Mas de uma arte autêntica, não no sentido de originalidade irrestrita, mas de uma arte “sincera”, ligada a suas origens, ao seu criador e, ao mesmo tempo, potencialmente universalizável.
Aqui, entra arte abstrata,concreta, moda de viola, de rua, teatro de homens ou de bonecos, orquestra sinfônica, de câmara, de pífano, dança, poesia, cordel, prosa, blog. Desde que tivesse aquela vontade de fazer “abrir as janelas da vida”, de quem faz, de quem sente.



(foto retirada do site português www.teatromicaelense.pt)

domingo, 14 de novembro de 2010

Dicas do titio Herodes: melhor que Supernanny [01]

Ainda na infância passei a ter medo de dormir sozinho. Talvez pela imensa saudade de ter conhecido meu pai - que, nessa época, era um fantasma de uns 8 anos de idade - passei a ter medo de assombrações. Minha avó fez de um tudo para resolver o problema: simpatias, orações, psiquiatras, psicólogos, anti-ansiolíticos. A pior medida, com certeza, foi me levar para beijar os pés de um tio avô morto - um fantasma com menos de 24 horas de experiência - e fazer-lhe uma oração, com o pretexto de que ele levaria meu medo embora. Passei a sentir medo de ter medo.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Anedota para cientistas cegos


"es difícil no recordar la historia que contaba Abraham Kaplan sobre el borracho que buscaba la llave de su casa, que había dejado caer a cierta distancia, bajo el poste de luz más cercano. Cuando le preguntaron por qué no la buscaba donde ésta había caído, el contestó: “Porque aquí hay luz!” La investigación académica sobre el clientelismo político desmerecería como anecdóticas las dos historias aquí reconstruidas porque en realidad buscan “la verdad” del clientelismo donde está la luz (en, por ejemplo, la respuesta a una encuesta de opinión) y no donde está más oscuro – en la zona gris de prácticas informales y de relaciones clandestinas, y en las complejidades diarias del este duradero arreglo político, social, y cultural. Creo que, si seguimos mirando bajo la lámpara, nos perdemos una importante dimensión de cómo, para parafrasear el título del libro de Alena Ledeneva sobre la Rusia post-soviética, la “política funciona realmente."

Javier Ayero, em Clientelismo político. A diez anõs de Poor´s People Politics.

domingo, 3 de outubro de 2010

E o leite mau na cara dos caretas


Não sei porque cargas d´água me veio por esses dias uma lembrança de minha terra natal. De uma época em que minha pequena cidade era circundada mais por minérios do que mineradoras. Lá, nesse tempo e espaço passados, política era uma coisa muito estranha. Dos 20 anos que vivi naquela terra, vi 2 homens prefeitos. Antes de eu me dar por gente, eles já deviam brincar de dança da cadeira no excelentíssimo gabinete municipal. Engraçado que entrava e saía eleição, mudava-se apenas o tipo de corja que cada um dos dois levava consigo para, como diziam os mais ou menos críticos, “mamar nas tetas”. Assim, trocavam-se apenas as peças dos cabides de empregos, que se estendiam por uma longa arara de incompetência e interesse. Lembro então agora que votar era uma questão de escolher um dos dois personagens/personalidades, entre “o que rouba mas faz” e “o que rouba mas pensa”. E escolher, assim, qual grupo ocuparia os cargos de (des) confiança. Hoje ainda me esforço para recordar sob quais siglas cada um desses homens se disfarçavam – acho quer PL e PSDB – mas como eu quero dizer aqui, isso não fazia lá muita diferença. Quando cresci, descobri que isso não era uma particularidade daquela terrinha, mas um tipinho muito generalizado da política de nosso “Brasil profundo” – e também do "raso".
Qualquer semelhança não deve ser mera coincidência. Como dizem muitos por aí, até mesmo os cidadãos mais distraídos, escolher entre o azul , o vermelho e o verde tem um sentido meio "bobo" esse ano. Vamos às urnas votar em uma personalidade e sua respectiva corja, chamada de equipe, aliados, ou qualquer sinônimo que nomeie os ocupadores dos cabides. Claro, não significa que não faz diferença ter o “Zé” ou “a mulher do presidente” na direção de nosso país. O problema é que, com uma campanha pautada em qualquer coisa menos projeto de governo – o que torna logicamente impossível haver “debate” na TV, mas apenas uma conversa de surdos – fica, digamos, a “sensação” de que hoje vamos escolher qual elite vai nos sugar e qual cara feia a gente prefere ver por mais tempo, pelo menos pelos próximos 4 anos.
Igualzinho era na minha terra natal...

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O assum preto de Minerva

Um amigo que julgo ser o mais esperto que eu conheço me levou pra conhecer um candidato a deputado federal. Disse que era uma ‘bocada’ boa.
Cheguei lá e uma secretária bonita anotou meus dados. Nome. Endereço. Telefone. Documentos (“Principalmente o Título de Eleitor”, disse ela). Depois fomos pra uma salinha até bonita, um escritoriozinho com santinho do candidato pra todo lado.
Uns minutos depois entrou o candidato. Se apresentou como “Doutor Fulano”. Conferiu se a moça bonita da recepção tinha recolhido meus ‘dados’. Daí começou a bocada.
Me ofereceu gasolina de graça durante toda a campanha, desde que eu colasse adesivos com a cara e o nome dele no meu carro e convencesse mais umas trinta pessoas a votar nele também. Depois ofereceu isenção de IPTU se eu tivesse um terreno vazio pra botar aqueles outdoor (que não são outdoor, porque o prefeito poibiu), e me garantiu que tem amigos que vão cuidar para que não chegue cobrança do imposto pra mim no próximo ano.
Ele chamou a gostosona da entrada e mandou ela anotar a placa do meu carro e o número da minha carteira de habilitação. Me entregou uma sacola com os adesivos e o endereço do posto de gasolina onde eu, desde então, encho o tanque sem pagar nenhum centavo.
Antes que eu saísse do escritório ele ainda me ofereceu cinqüenta conto por semana pra eu balangar bandeira com o nome dele na rua e mais cinqüenta conto pra eu fazer boca de urna. Eu topei tudo. Claro! Eu não sou besta!
Eu nem ia votar nele não. Eu queria era a ‘bocada’. Mas o doutor me convenceu quando falou aquela coisa que eu achei a frase mais linda saída da boca de um candidato.
Eu perguntei pra ele:
- Oh Doutor, eu até boto os adesivos no carro e coloco os outdoor que não são outdoor no meu lote, mas como eu vou convencer o pessoal a votar no senhor? Eu nem sei o que dizer pra eles.
Aí veio a frase, quase uma epifania:
- Não precisa, meu querido. Eles vão ver a minha foto com o número do lado. O número é bem fácil de decorar. Além do mais, o assum preto de minerva ouve muito bem, mas tem uns olhos que nada vê...

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Quem dá mais?


Em alguns momentos de nossa humanidade, homens e mulheres tomaram como tarefa responder a uma questão um tanto futurológica: o caminho da arte seria a redenção ou a fetichização? Embolados nessa pergunta, que se repetiu durante diferentes pontos de nossa retinha linha do “progresso” “moderno”, estavam diferentes sentimentos e perspectivas diante do mundo e de sua arte. Sentimentos que oscilavam entre a fé na citada linha; nostalgia de um momento anterior à linha, mais puro e criativo; pessimismo na desenfreada fragmentação de nossa existência. Não há, entretanto, posições seguras nessas percepções, nem polarizações claras e definitivas, mas sim muita ambigüidade e indeterminação. De um lado, esta tal fragmentação mencionada significava para alguns desses homens e mulheres um produto inexorável de nosso caminho rumo à humanidade, que nos conduzia, entretanto, à uma separação – eficaz para nosso progresso, mortal para nossa polissemia - dos mundos da arte, da ciência, da indústria, da cultura, da crença, da moral... De outro lado, essa própria separação representava, para esses mesmos ou para outros homens e mulheres, a autonomização desses campos de conhecimento e prática da vida. Se isolarmos por um momento os outros “mundos” e nos determos ao tema da arte, ficamos então com a questão inicial. Nesse desvario, a arte se estabeleceria, depois de tal fragmentação, depois do que todo mundo ficou conhecendo como indústria cultural, como fetichização, no sentido de se tornar um campo isolado dos outros, gerando suas próprias leis de produção, ou melhor, de mera reprodução, fadada a tornar-se mercadoria como tudo o que entra naquela tempestade chamada progresso? Ou se estabeleceria, na medida em que é, daquela maneira, tornada autônoma, um mundo de tal maneira independente das correntes dos outros campos, que resguardaria em seu domínio as possibilidades redentoras de que a humanidade necessita e na qual poderia beber, tais como a liberdade e a criatividade?

Sem ser a pessoa mais pessimista do mundo, tampouco sendo dotada de qualquer dom de adivinhação, ou qualquer brilhantismo ou autoridade para dar o diagnóstico... Enfim, com toda a licença da BOCAGEM: tendo a achar que estamos mais no caminho da fetichização do que no da redenção. Dizem por aí que isso é culpa da privada do Duchamp, ou da Semana da Arte Moderna. Mas não é o caso. O fato é que, mesmo a atual onda de buscar uma arte vinculada às experiências cotidianas e rotineiras de seus criadores, o que se tem visto é, senão mera reprodução, simples descontextualização com pretexto de “resgate” e salvação de uma cultura “perdida”, por praticantes pouco ligados a esse tal cotidiano original de criação. Não só a forma e o conteúdo da arte é repetido, ainda que “remasterizado”, mas também a própria – a incansável, clichê, sem imaginação, pouco intuitiva – busca dos artistas pelos centros de produção e divulgação. Ou seja, preferem reclamar da baixa capacidade de captação, recepção e compreensão de sua arte pelos seus conterrâneos e buscarem um lugar ao sol nas grandes metrópoles – onde encontram mais uns milhares fazendo a mesma coisa e que só chegam a avistar uma pontinha do raio do sol quando já deixaram de ser o que eram, pra virar alguma coisa tocável na MTV.

Acredito, porém, que tem gente no caminho da arte redentora. Mas isso fica pra próxima bocagem.

sábado, 4 de setembro de 2010

Puxando papo


Porque tem tanta gente escrevendo e pouca lendo. Porque a gente reclama, tagarela, xinga, proseia, argumenta, concorda, disconcorda, respira fundo... toma um café, um suco de maracujá pra acalmar os nervos aflorados pela caféina e alguma bebida alcóolica pra que o maracujá não nos faça lembrar das coisas. Porque esse-mundo-tá-virado, no-meu-tempo-não-era-assim, como-diziam-os-gregos, como-fazem-os-índios. Porque os políticos-desse-país, os jovens-de-hoje, meu síndico-sem-amigos, meu amigo-frustrado e todas as pessoas sem sexo e/ou poesia na vida. Porque a cultura ocupa 5 páginas de um jornal de 30, sendo 1 agenda e 3 resumo das novelas. Porque existe "Rebolation". Porque nossa política é disputada entre Tiririca e Mulher Fruta. Porque o Serra só falta cortar um dedo e aprender a falar com a língua presa. Porque mudaram o penteado da Dilma e agora seu cabelo, segundo especialistas, é igual ao do Lula. Porque a candidata com a pauta mais avançada da atualidade - a do ambientalismo - é evangélica. Porque a mídia é feita de falsas polêmicas, e realidade, realidade mesmo, dizem, está nas telenovelas. Porque tem UPP´s, UPA´s e yuppies. Porque de uns tempos pra cá, a Al Jazira passou a fazer parte do giro de notícias do Jornal Hoje, lado a lado com BBC, NYTimes e Le Monde. E também de uns tempos pra cá, sumiu o disquete, o hífen e o JB no papel jornal, e nasceu o celular, metrossexual, rúcula, stress e o caractere. Porque ninguém consegue ler mais do que esse número de caracteres.