Páginas

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O assum preto de Minerva

Um amigo que julgo ser o mais esperto que eu conheço me levou pra conhecer um candidato a deputado federal. Disse que era uma ‘bocada’ boa.
Cheguei lá e uma secretária bonita anotou meus dados. Nome. Endereço. Telefone. Documentos (“Principalmente o Título de Eleitor”, disse ela). Depois fomos pra uma salinha até bonita, um escritoriozinho com santinho do candidato pra todo lado.
Uns minutos depois entrou o candidato. Se apresentou como “Doutor Fulano”. Conferiu se a moça bonita da recepção tinha recolhido meus ‘dados’. Daí começou a bocada.
Me ofereceu gasolina de graça durante toda a campanha, desde que eu colasse adesivos com a cara e o nome dele no meu carro e convencesse mais umas trinta pessoas a votar nele também. Depois ofereceu isenção de IPTU se eu tivesse um terreno vazio pra botar aqueles outdoor (que não são outdoor, porque o prefeito poibiu), e me garantiu que tem amigos que vão cuidar para que não chegue cobrança do imposto pra mim no próximo ano.
Ele chamou a gostosona da entrada e mandou ela anotar a placa do meu carro e o número da minha carteira de habilitação. Me entregou uma sacola com os adesivos e o endereço do posto de gasolina onde eu, desde então, encho o tanque sem pagar nenhum centavo.
Antes que eu saísse do escritório ele ainda me ofereceu cinqüenta conto por semana pra eu balangar bandeira com o nome dele na rua e mais cinqüenta conto pra eu fazer boca de urna. Eu topei tudo. Claro! Eu não sou besta!
Eu nem ia votar nele não. Eu queria era a ‘bocada’. Mas o doutor me convenceu quando falou aquela coisa que eu achei a frase mais linda saída da boca de um candidato.
Eu perguntei pra ele:
- Oh Doutor, eu até boto os adesivos no carro e coloco os outdoor que não são outdoor no meu lote, mas como eu vou convencer o pessoal a votar no senhor? Eu nem sei o que dizer pra eles.
Aí veio a frase, quase uma epifania:
- Não precisa, meu querido. Eles vão ver a minha foto com o número do lado. O número é bem fácil de decorar. Além do mais, o assum preto de minerva ouve muito bem, mas tem uns olhos que nada vê...

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Quem dá mais?


Em alguns momentos de nossa humanidade, homens e mulheres tomaram como tarefa responder a uma questão um tanto futurológica: o caminho da arte seria a redenção ou a fetichização? Embolados nessa pergunta, que se repetiu durante diferentes pontos de nossa retinha linha do “progresso” “moderno”, estavam diferentes sentimentos e perspectivas diante do mundo e de sua arte. Sentimentos que oscilavam entre a fé na citada linha; nostalgia de um momento anterior à linha, mais puro e criativo; pessimismo na desenfreada fragmentação de nossa existência. Não há, entretanto, posições seguras nessas percepções, nem polarizações claras e definitivas, mas sim muita ambigüidade e indeterminação. De um lado, esta tal fragmentação mencionada significava para alguns desses homens e mulheres um produto inexorável de nosso caminho rumo à humanidade, que nos conduzia, entretanto, à uma separação – eficaz para nosso progresso, mortal para nossa polissemia - dos mundos da arte, da ciência, da indústria, da cultura, da crença, da moral... De outro lado, essa própria separação representava, para esses mesmos ou para outros homens e mulheres, a autonomização desses campos de conhecimento e prática da vida. Se isolarmos por um momento os outros “mundos” e nos determos ao tema da arte, ficamos então com a questão inicial. Nesse desvario, a arte se estabeleceria, depois de tal fragmentação, depois do que todo mundo ficou conhecendo como indústria cultural, como fetichização, no sentido de se tornar um campo isolado dos outros, gerando suas próprias leis de produção, ou melhor, de mera reprodução, fadada a tornar-se mercadoria como tudo o que entra naquela tempestade chamada progresso? Ou se estabeleceria, na medida em que é, daquela maneira, tornada autônoma, um mundo de tal maneira independente das correntes dos outros campos, que resguardaria em seu domínio as possibilidades redentoras de que a humanidade necessita e na qual poderia beber, tais como a liberdade e a criatividade?

Sem ser a pessoa mais pessimista do mundo, tampouco sendo dotada de qualquer dom de adivinhação, ou qualquer brilhantismo ou autoridade para dar o diagnóstico... Enfim, com toda a licença da BOCAGEM: tendo a achar que estamos mais no caminho da fetichização do que no da redenção. Dizem por aí que isso é culpa da privada do Duchamp, ou da Semana da Arte Moderna. Mas não é o caso. O fato é que, mesmo a atual onda de buscar uma arte vinculada às experiências cotidianas e rotineiras de seus criadores, o que se tem visto é, senão mera reprodução, simples descontextualização com pretexto de “resgate” e salvação de uma cultura “perdida”, por praticantes pouco ligados a esse tal cotidiano original de criação. Não só a forma e o conteúdo da arte é repetido, ainda que “remasterizado”, mas também a própria – a incansável, clichê, sem imaginação, pouco intuitiva – busca dos artistas pelos centros de produção e divulgação. Ou seja, preferem reclamar da baixa capacidade de captação, recepção e compreensão de sua arte pelos seus conterrâneos e buscarem um lugar ao sol nas grandes metrópoles – onde encontram mais uns milhares fazendo a mesma coisa e que só chegam a avistar uma pontinha do raio do sol quando já deixaram de ser o que eram, pra virar alguma coisa tocável na MTV.

Acredito, porém, que tem gente no caminho da arte redentora. Mas isso fica pra próxima bocagem.

sábado, 4 de setembro de 2010

Puxando papo


Porque tem tanta gente escrevendo e pouca lendo. Porque a gente reclama, tagarela, xinga, proseia, argumenta, concorda, disconcorda, respira fundo... toma um café, um suco de maracujá pra acalmar os nervos aflorados pela caféina e alguma bebida alcóolica pra que o maracujá não nos faça lembrar das coisas. Porque esse-mundo-tá-virado, no-meu-tempo-não-era-assim, como-diziam-os-gregos, como-fazem-os-índios. Porque os políticos-desse-país, os jovens-de-hoje, meu síndico-sem-amigos, meu amigo-frustrado e todas as pessoas sem sexo e/ou poesia na vida. Porque a cultura ocupa 5 páginas de um jornal de 30, sendo 1 agenda e 3 resumo das novelas. Porque existe "Rebolation". Porque nossa política é disputada entre Tiririca e Mulher Fruta. Porque o Serra só falta cortar um dedo e aprender a falar com a língua presa. Porque mudaram o penteado da Dilma e agora seu cabelo, segundo especialistas, é igual ao do Lula. Porque a candidata com a pauta mais avançada da atualidade - a do ambientalismo - é evangélica. Porque a mídia é feita de falsas polêmicas, e realidade, realidade mesmo, dizem, está nas telenovelas. Porque tem UPP´s, UPA´s e yuppies. Porque de uns tempos pra cá, a Al Jazira passou a fazer parte do giro de notícias do Jornal Hoje, lado a lado com BBC, NYTimes e Le Monde. E também de uns tempos pra cá, sumiu o disquete, o hífen e o JB no papel jornal, e nasceu o celular, metrossexual, rúcula, stress e o caractere. Porque ninguém consegue ler mais do que esse número de caracteres.