As distâncias, temporais e espaciais, de nossa terra natal, de nosso passado, do que um dia marcou nossa experiência, às vezes nos faz colocar em suspensão nosso comprometimento com os destinos sociais, culturais e políticos de nossos conterrâneos. Ao visitar minha cidade neste feriado de Semana Santa, fui tomada por sensações muito fortes e contraditórias, que me deixaram por algumas horas sem palavras. As sensações porém não foram novas, mas antigas, recorrentes, e é delas que vou falar aqui nesta Bocagem. A primeira de 2011 por sinal - que demora!
A impressão não é original, parece ser comum a todo viajante que retorna a sua casa, rua, bairro, cidade, e imagino que país e planeta da infância. Fui tomada por um misto de nostalgia e alívio ao passar alguns dias em Congonhas, uma mistura de "como foi bom o que vivi aqui", ao lado de um "ainda bem que não moro mais aqui", um "sou filha disto, isto me faz ser o que sou", e um "como isso tudo está apartado de mim agora..."
Ver as rugas nascendo em minhas tias antes tão jovens, a idade fazendo a voz de minha mãe mais rouca, os cabelos de meus tios finalmente brancos, nossos priminhos ouvindo músicas de bandas que sequer ouvimos falar. Ver que o pequeno "beco" de nossas brincadeiras era na verdade uma rua bem normal, que a horta da vó não era assim lá uma selva de aventuras e perigos, que até mesmo a procissão da sexta-feira santa não demorava a eternidade. Além disso, deixamos de nos emocionar com o que antes era impactante - que medo dos soldados romanos! E passamos a ficar sentimentais com as luzinhas que atravessam as ruas, com a neblina que desce a cidade, com o doce de leite posto à mesa.
Mas o que dói no fundo d´alma e da consciência ao retornar a Congonhas é ver a serra diminuir a cada dia, não por uma impressão subjetiva, uma ilusão de infância, mas sim porque de repente a paisagem muda, os picos ficam planos, os verdes ficam vermelhos, os asfaltos também vermelhos, o minério invadindo o chão, o ar, a toalha da mesa. Como diz um tio meu, a montanha é hoje uma carcaça; por detrás dela não há um mundo, mas apenas máquinas.
A cidade de Congonhas guarda não apenas um passado coroado pela moda da sigla do Patrimônio, pelo qual é conhecida. É um berço da obra de arte, mas especialmente, da arte sacra, dos artistas pequenos, escondidos, que talharam as primeiras pedras sabão de nossas calçadas, que costuraram os primeiros telhados coloniais, que fizeram de forte seus balaústres, que ocuparam becos escuros, paredes curvas, sob o manto da religião, do ouro, da fé, da cura. Povo simples, de nomes comuns, famílias grandes, loucos nas ruas, sotaques matreiros, olhares amorosos, cansados e sempre à espera.
Terra de impérios da corrupção. A corrida do ouro é conhecida, antiga, marcada pela usura da Igreja e do Estado. Tão antiga, tão distante. Tão presente. Brasil do minério de ferro, cidade das grandes mineradoras, as principais estão todas lá. Devastando nossos morros, ocupando altos cargos, trazendo de longe operários sazonais e desvinculados. O poder público sequer se vende às grandes empresas estrangeiras. Permanece satisfeito com seus pequenos roubos diários, sua histórica incompetência política, seus desmandos corriqueiros, já (in)dignos de uma bocagem aqui do blog.
Isto aqui não é novidade pra ninguém, ninguém mesmo! Mas a vontade de dizer é mais forte do que os imperativos da novidade.
Quero mesmo acreditar que os ares do minério não poluirão nossa dignidade, que os ares efêmeros do presente não ofuscarão nossa História. Mas temo. E é preciso temer. Para que nã sejamos mais personagens tão reais de versos como o de nosso Boca do Inferno
A impressão não é original, parece ser comum a todo viajante que retorna a sua casa, rua, bairro, cidade, e imagino que país e planeta da infância. Fui tomada por um misto de nostalgia e alívio ao passar alguns dias em Congonhas, uma mistura de "como foi bom o que vivi aqui", ao lado de um "ainda bem que não moro mais aqui", um "sou filha disto, isto me faz ser o que sou", e um "como isso tudo está apartado de mim agora..."
Ver as rugas nascendo em minhas tias antes tão jovens, a idade fazendo a voz de minha mãe mais rouca, os cabelos de meus tios finalmente brancos, nossos priminhos ouvindo músicas de bandas que sequer ouvimos falar. Ver que o pequeno "beco" de nossas brincadeiras era na verdade uma rua bem normal, que a horta da vó não era assim lá uma selva de aventuras e perigos, que até mesmo a procissão da sexta-feira santa não demorava a eternidade. Além disso, deixamos de nos emocionar com o que antes era impactante - que medo dos soldados romanos! E passamos a ficar sentimentais com as luzinhas que atravessam as ruas, com a neblina que desce a cidade, com o doce de leite posto à mesa.
Mas o que dói no fundo d´alma e da consciência ao retornar a Congonhas é ver a serra diminuir a cada dia, não por uma impressão subjetiva, uma ilusão de infância, mas sim porque de repente a paisagem muda, os picos ficam planos, os verdes ficam vermelhos, os asfaltos também vermelhos, o minério invadindo o chão, o ar, a toalha da mesa. Como diz um tio meu, a montanha é hoje uma carcaça; por detrás dela não há um mundo, mas apenas máquinas.
A cidade de Congonhas guarda não apenas um passado coroado pela moda da sigla do Patrimônio, pelo qual é conhecida. É um berço da obra de arte, mas especialmente, da arte sacra, dos artistas pequenos, escondidos, que talharam as primeiras pedras sabão de nossas calçadas, que costuraram os primeiros telhados coloniais, que fizeram de forte seus balaústres, que ocuparam becos escuros, paredes curvas, sob o manto da religião, do ouro, da fé, da cura. Povo simples, de nomes comuns, famílias grandes, loucos nas ruas, sotaques matreiros, olhares amorosos, cansados e sempre à espera.
Terra de impérios da corrupção. A corrida do ouro é conhecida, antiga, marcada pela usura da Igreja e do Estado. Tão antiga, tão distante. Tão presente. Brasil do minério de ferro, cidade das grandes mineradoras, as principais estão todas lá. Devastando nossos morros, ocupando altos cargos, trazendo de longe operários sazonais e desvinculados. O poder público sequer se vende às grandes empresas estrangeiras. Permanece satisfeito com seus pequenos roubos diários, sua histórica incompetência política, seus desmandos corriqueiros, já (in)dignos de uma bocagem aqui do blog.
Isto aqui não é novidade pra ninguém, ninguém mesmo! Mas a vontade de dizer é mais forte do que os imperativos da novidade.
Quero mesmo acreditar que os ares do minério não poluirão nossa dignidade, que os ares efêmeros do presente não ofuscarão nossa História. Mas temo. E é preciso temer. Para que nã sejamos mais personagens tão reais de versos como o de nosso Boca do Inferno
"Notável desventura
de um povo néscio, e sandeu,
que não sabe, que o perdeu
Negócio, Ambição, Usura."
de um povo néscio, e sandeu,
que não sabe, que o perdeu
Negócio, Ambição, Usura."